Autor(es): Luiza de Carvalho
Valor Econômico - 06/10/2010
A Receita Federal quer regulamentar a norma geral antielisiva e estabelecer critérios para que a fiscalização possa caracterizar planejamentos tributários feitos por empresas com a intenção de dissimular o pagamento de impostos. Representantes da fiscalização e dos contribuintes discutem desde segunda-feira o tema em um seminário que termina hoje em Brasília, organizado pela própria autarquia. A instalação de uma nova instância no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) para analisar planejamentos tributários e a criação de um cargo para um representante dos contribuintes no Ministério da Fazenda, que atuaria na elaboração de leis, foram propostas levantadas no evento.
O artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN) permite à autoridade administrativa anular negócios realizados com a finalidade de dissimular as obrigações tributárias, mas não lista quais seriam essas operações. O problema prático é que todo planejamento tributário é feito com a intenção de reduzir a carga tributária. Nesse sentido, é difícil distinguir o que seria uma operação legal, realizada a partir de brechas da lei, ou realmente ilegal. "Não acredito que uma norma antielisiva possa impedir o contribuinte de realizar planejamentos tributários, quando identifica uma falha na legislação que permita recolher a menor ou retardar o recolhimento de tributos", diz o advogado Dalton Cesar Cordeiro de Miranda, do TozziniFreire Advogados.
De acordo com Marcos Vinícius Neder de Lima, subsecretário de fiscalização da Receita Federal, antigamente as lacunas da lei eram exploradas livremente pelos contribuintes, na lógica de que tudo o que não é proibido, é permitido. "Se o procedimento fosse lícito e não houvesse uma fraude grosseira, seria considerado regular", afirmou Neder, em sua apresentação no seminário. Segundo ele, agora a fiscalização se baseia na existência de racionalidade econômica das operações societárias. Um exemplo seriam as operações conhecidas como "casa-e-separa". Nesses casos, o Fisco deixou de aceitar o argumento dos contribuintes de que a sociedade não deu certo, para entender que houve a alienação do controle de uma empresa, evitando-se o ganho de capital. Na opinião da advogada Ariane Costa Guimarães, do Mattos Filho Advogados, o conceito de racionalidade econômica comporta diversas interpretações. "É fundamental e urgente a edição de norma contendo critérios específicos para que os planejamentos sejam declarados ilícitos", afirma.
Os advogados tentam persuadir a Receita a levar em consideração os argumentos dos contribuintes na regulamentação da norma. Algumas propostas de tributaristas foram apresentadas no seminário. Uma sugestão apresentada pelo professor de direito tributário da Universidade de São Paulo (USP), Heleno Torres, seria criar a Coordenação de Fiscalização de Planejamento Tributário, para que o contribuinte realizasse uma consulta prévia sobre um planejamento tributário complexo, bem como o emprego dos métodos de preços de transferência, reorganizações societárias, dentre outros.
O órgão seria paritário e teria 30 dias para decidir se o planejamento seria legítimo. Durante esse período, não poderia ocorrer autuações fiscais. "É pela falta de uma norma antielisiva que os fiscais cometem arbitrariedades. É preciso que o contribuinte tenha oportunidade de oferecer provas e que elas sejam de fato examinadas", afirma Torres, que sugere também a instituição de um representante dos contribuintes no Ministério da Fazenda, para acompanhar as inovações legislativas.
Para o professor da FGV, Eurico Diniz de Santi, é preciso que a futura norma evite expressões imprecisas como abuso de direito, fraude à lei, simulação e evasão, assim como uniformizar a interpretação da legislação tributária no âmbito do Carf e das delegacias regionais da Receita. "Não pode valer a lógica de que quando apertar o caixa da União, muda-se o critério jurídico para aumentar a arrecadação", afirma Santi. Ele sugere a criação de uma nova instância dentro do Carf para analisar planejamentos tributários.