quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Uma lei ridícula

O Globo
26/01/2011

Autor(es): Jacob Dolinger

O governo encerrou o 2010 com a lei nº 12.376 exclusivamente para alterar o titulo de uma lei promulgada em 1942.

O titulo da lei de 1942 enuncia "Lei de Introdução ao Código Civil", que acaba de ser alterada para "Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro", visando, diz a nova lei, a "ampliar o campo da aplicação de lei de 1942". Em outras palavras, onde se lia "Lei de introdução ao Código Civil", leia-se "Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro". Isto, com o objetivo de ampliar o alcance da antiga lei, de 1942. Nada poderia ser mais errôneo e enganador.

O Congresso, ao sancionar esta lei, nada mais fez do que reiterar o que era óbvio, evidente, notório, reconhecido, aplicado e respeitado. A lei de 1942 estabelece os parâmetros temporais e espaciais da legislação brasileira. Enuncia os princípios relativos ao início e ao fim da vigência da lei. Dispõe sobre como se revoga uma lei por um novo diploma legal. Estabelece que ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando não conhecê-la, e cuida da hipótese de lei omissa. A Lei de Introdução também dispõe como as normas jurídicas devem ser aplicadas ("atendendo a seus fins sociais e às exigências do bem comum"), e fixa o importante princípio do respeito pelo ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Poderia alguém suspeitar que estes fundamentos básicos de nosso sistema jurídico, estabelecidos pelo legislador de 1942, se referissem tão somente ao Código Civil? Que não se aplicassem igualmente às leis comerciais, administrativas, tributárias, penais e processuais? A doutrina e a jurisprudência brasileiras sempre aplicaram as normas temporais do decreto lei de 1942 como princípios imanentes a todo o sistema jurídico nacional.

A segunda parte da Lei de Introdução cuida do direito no plano espacial - que lei aplicar em hipóteses com fatores nacionais e estrangeiros, nossa legislação ou a estrangeira? Nesta parte cuida de aspectos do direito civil - casamento, divórcio, paternidade, sucessão, obrigações - mas também regula questões relativas a sociedades (direito comercial), à competência das autoridades judiciárias no plano internacional, ao efeito das sentenças estrangeiras e ao sistema de provas judiciais (processual); trata da naturalização (constitucional) e da competência dos cônsules brasileiros no exterior (internacional).

De maneira que o conteúdo da lei de 1942 demonstra clara e insofismavelmente sua abrangência a todos os setores do direito brasileiro, a todas as "normas de direito brasileiro".

Assim, a referência na ementa de 1942 de se tratar de uma lei de introdução ao Código Civil jamais foi vista como restritiva; sempre se entendeu que se trata de lei que rege todo o sistema jurídico, daí ter sido classificada como infraconstitucional.

Aprovar em 2010 uma lei para modificar a ementa da lei de 1942, para reiterar o que sempre foi aceito como pacífico, é um desperdício legislativo, uma medida sem significado, uma legislação sem sentido, um desrespeito a como esta lei foi invariavelmente estudada e interpretada pelos mestres e aplicada pelos tribunais em décadas.

Por outro lado, espera-se há anos que o Congresso aprove o projeto de lei nº 269 do Senado, apresentado em 2004 pelo senador Pedro Simon, que cria uma nova, moderna legislação sob o título "Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas", para substituir a Lei de Introdução, estabelecendo princípios e regras conformes à legislação de praticamente todos os países. Basta dizer que a de 1942 não reconhece expressamente a liberdade dos contratantes em pactos internacionais de escolher a lei que será aplicada - a brasileira ou a estrangeira -, autonomia que é aceita por todas as legislações e convenções internacionais. Esta falha tem causado prejuízos na atuação internacional da empresa brasileira. Importante inovação do projeto Pedro Simon é determinar a lei aplicável às obrigações por atos ilícitos de caráter internacional. Consagra a cooperação jurídica internacional e introduz inúmeras outras inovações no campo do chamado "conflito das leis". Visa a integrar o Brasil na moderna sociedade das nações em relações privadas internacionais.

Onde jaz este importantíssimo projeto de lei? Enquanto isto o Poder Legislativo caiu no ridículo de criar uma "lei" totalmente desnecessária, absolutamente sem sentido e sem objetivo e, acima de tudo, desrespeitadora da ciência jurídica nacional.

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