quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

ICMS favorece o ajuste fiscal dos Estados

Estado de S. Paulo
Opinião
24/01/2011

Entre 2009 e 2010, a arrecadação do principal tributo estadual, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cresceu 17%, segundo o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). É um resultado muito favorável, mas, mesmo que a receita do ICMS ainda cresça neste ano, os Estados serão impelidos a ajustar suas contas em face do cenário macroeconômico menos favorável do que o do ano passado.

Apesar da arrecadação recorde do ICMS, em 2010, de R$ 268,6 bilhões, os Estados apresentaram um déficit acumulado nominal de R$ 40,4 bilhões, equivalente a 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB). O superávit primário dos Estados, de 0,56% do PIB, em 2009, ficou aquém do que se esperava em 2010 (0,46% do PIB). Em relação a 2007, quando houve um grande superávit primário de 0,98% do PIB, a queda foi ainda maior.

Inúmeros fatores explicam o aumento da receita do ICMS em 2010, tais como a forte expansão do consumo e a base de comparação baixa (2009 foi um ano de recessão). Essa combinação favorável não se repetirá em 2011, pois a receita do ICMS deste ano será comparada com a de um período excepcional (2010).

São Paulo arrecadou R$ 92,3 bilhões, 17,5% mais do que em 2009, beneficiando-se tanto de setores tradicionais, como energia elétrica, comunicações e combustíveis, como das importações. Goiás conseguiu elevar a receita em 19%, em boa medida por causa da renegociação de dívidas dos contribuintes. E a Bahia beneficiou-se com o aumento de quase 20% na receita, causado pela arrecadação dos setores de serviços associados à exportação. No Rio, a receita do ICMS cresceu mais de 20% em decorrência do aumento da fiscalização e da "modernização da legislação tributária", segundo o secretário da Fazenda, Renato Villela. E Minas Gerais elevou a receita do ICMS em quase 22%. Em resumo: os Estados tendem a seguir o exemplo paulista de investir no aperfeiçoamento da fiscalização, reduzindo o espaço da sonegação.

Mas os Estados também dependem das transferências do Fundo de Participação dos Estados (FPE), formado com parcelas dos recursos do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Em 2010, ano em que o PIB cresceu entre 7,4%, segundo agentes privados, e 7,8%, segundo estimativas do Banco Central, os Estados receberam do FPE R$ 39 bilhões, ou R$ 3 bilhões mais do que em 2009. Ao ICMS caberá, provavelmente, o papel de tábua de salvação fiscal dos Estados, inclusive para o cumprimento das metas para as contas públicas.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O salário dos juízes

O Globo 
21/02/2011
Autor(es): Agência O globo:Antonio Cesar Siqueira

Apartir deste mês, entra em vigor a lei, aprovada em cinco minutos no Congresso Nacional, no apagar das luzes de 2010, que reajusta os vencimentos de parlamentares, ministros de Estado, presidente da República e vice. Todos passam a ganhar R$26,7 mil. Para deputados e senadores, o novo salário significa acréscimo de 61%. No caso da Presidência, representa 133%, e, no tocante aos ministros, 150%.

Não se trata, aqui, de emitir qualquer juízo de valores sobre os ganhos dos ocupantes de cargos no Executivo e no Legislativo. Porém, é inevitável abordar a questão à luz de alguns conceitos equivocados difundidos à opinião pública, que acabam distorcendo fatos e informações e estabelecendo avaliação injusta sobre a situação de algumas carreiras. Entre estas, inclui-se a dos juízes de direito, cuja função pública é de extrema relevância para que a sociedade paute-se pelo estado de direito, a prevalência da ordem e a predominância da justiça nas interações entre todos os indivíduos e organizações.

Pois bem, criou-se a falsa ideia de que os magistrados ganham salários muito elevados. É preciso conceituar corretamente essa questão, entendendo-se as peculiaridades da carreira. Para ser juiz, o indivíduo tem de ser bacharel em Direito, cujo curso superior tem cinco anos de duração. Depois, é preciso prestar rigorosos concursos públicos para ingressar na Magistratura estadual ou na federal. Não há indicação política e não existem nomeações por indicação. É pura meritocracia! Ou passa no concurso ou não se ingressa na carreira!

Ademais, por força constitucional e por um princípio filosófico absolutamente correto, os juízes não podem ter funções paralelas, pois lhes são vedadas quaisquer atividades remuneradas além do exercício de sua própria profissão. Este limite, aliás, é imprescindível para a sua independência enquanto magistrados e para a soberania do Poder Judiciário, que não pode ser suscetível a influências alheias ao universo da lei e da lógica da Justiça. Esta característica é um dos alicerces basilares da democracia e do equânime exercício dos direitos individuais e coletivos.

Por outro lado, os juízes não legislam sobre os próprios ganhos, como fazem os parlamentares, pois dependem destes para a aprovação e do Poder Executivo para a sanção de projetos de lei referentes aos seus vencimentos. Também não ganham extras de qualquer natureza. Recebem simplesmente o seu salário mensal, ao longo de toda a carreira. Assim, não se deve comparar os seus proventos com os de ministros de Estado, que, entre outras fontes, têm jetons por integrarem conselhos de empresas de economia mista, que superam o próprio valor dos subsídios, chegando, em alguns casos, a R$60 mil, ou de parlamentares, que também ganham extras para participar de sessões extraordinárias e recebem substantiva verba de gabinete para viagens, moradia, combustível e outras despesas, no montante de R$100 mil.

Dada sua importância para a sociedade e o país, a Magistratura precisa oferecer salários com um mínimo de atratividade para os jovens bacharéis em Direito. Caso contrário, corre-se o risco de desestímulo crescente à carreira, o que seria danoso. Ao juiz cabem vencimentos compatíveis com a complexidade e a responsabilidade inerentes às suas funções, de modo que tenha independência, segurança de uma vida digna para sua família e muito foco na missão de fazer prevalecer o marco legal. Discutir a conveniência ou não da reposição inflacionária nesse quadro de absoluto desrespeito à regra constitucional do teto remuneratório parece cortina de fumaça para encobrir a real situação.

Que, em nome da verdade, os atuais ministros de Estado e os do governo anterior abram suas contas para mostrar ao povo o que receberam de jetons e outras verbas decorrentes, direta ou indiretamente, do cargo. Nessa hora, o reajuste pretendido pelos magistrados parecerá discussão sobre o mínimo.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Portaria limita o uso de armas pela polícia

Correio Braziliense 
21/02/2011
Autor(es): Maria Clara Prates

A partir de abril, agentes só poderão atirar após dois alertas que não representem risco de morte ao suspeito. Associação reclama da medida

Uma portaria interministerial, assinada no último dia do governo Lula, está causando polêmica por limitar o uso das armas letais pelas forças policiais do país. A partir de abril, agentes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, do Departamento Penitenciário Nacional e da Força Nacional de Segurança Pública estão obrigados a dar dois alertas que não representem risco de vida ao suspeito, com emprego de armamento não letal, antes de puxar a arma de fogo. O uso do tiro somente está previsto em caso de “legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave”, conforme previsto na Portaria n° 4.226, de 31 de dezembro de 2010. Também fica proibido, pela norma elaborada pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, disparar contra aqueles que desrespeitem bloqueio policial em via pública.

As novas regras, no entanto, já estão gerando acalorados debates entre representantes das corporações policiais da União. Na ala dos descontentes, está a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ANDPF), que defende uma reforma em algumas das previsões legais. O ex-presidente da ANDPF e hoje secretário de Segurança Pública do Paraná, delegado Reinaldo de Almeida César, considera que a portaria tem dispositivos impossíveis de serem executados. Além disso, ele defende a tese de que faltou um diálogo mais aprofundado com os integrantes das forças policiais antes da aprovação das medidas. “Faltou debate com aqueles que conhecem a atuação policial”, argumenta. O delegado diz que vai propor ao diretor-geral da PF, Leandro Coimbra, que peça ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a revisão de alguns dispositivos da norma.

Crítica
Um dos itens mais criticados é o que veda o uso de arma de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial. Para Reinaldo César, isso significa pôr fim à eficácia das barreiras, uma das ações mais importantes de segurança pública. “Por que assaltantes em fuga respeitariam um bloqueio se não existe a possibilidade de interceptação do carro para identificação?”, indaga. Mesmo com as críticas às novas regras, Reinaldo César afirma que, como secretário de Segurança Pública do Paraná, já determinou que os comandantes das duas polícias estaduais formem comissão para estudar a aplicação dos dispositivos para uso progressivo da força, conforme recomendado pela portaria.

Segundo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a adoção das novas regras foi necessária para padronizar as condutas policiais e harmonizá-las com conceitos internacionais estabelecidos em diferentes convenções, das quais o Brasil é signatário.

Independentemente dos debates, a Polícia Federal já está fazendo seu dever de casa. De acordo com o Boletim Interno n° 26, a Academia Nacional da PF (ANPF) formou a sua comissão para adotar os novos dispositivos. Segundo a publicação, o diretor da ANPF, Disney Rosseti, disse que já adota o conceito de uso progressivo da força e que, na formação do policial, também é vedado o uso de arma contra pessoas em fuga e desarmadas, além dos tiros de advertência e dos disparos contra veículos que desrespeitem bloqueios policiais.

Civil e PM podem adotar regras
Ullisses Campbell
Com Leandro Kleber
Especial para o correio

Brasília e São Paulo — Apesar de dizer que “obrigatoriamente” as novas regras valem apenas para as forças da União, conforme previsão constitucional, as polícias estaduais — Civil e Militar — são estimuladas a adotar as mesmas regras, atraídas pela promessa de liberação de recursos para a área de segurança das unidades da Federação que aderirem à legislação. Em seu artigo 4º, a portaria diz: “A Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça levará em consideração a observância das diretrizes tratadas nessa portaria no repasse de recursos aos entes federados”.

É de olho nesses recursos que o secretário de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, Lafayette Andrada, eleito deputado estadual pelo PSDB, se reúne amanhã com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Segundo Andrada, Minas não só vem adotando as diretrizes de uso progressivo da força desde 2002, como foi um dos colaboradores na redação e na elaboração da portaria em razão de sua experiência nesse tipo de ação. “Somente no ano passado, promovemos o treinamento de 1.480 policiais em técnicas de uso de armas não letais. Outros mil foram formados em direitos humanos e 8,4 mil se capacitaram em policiamento comunitário”, afirma Andrada.

Na maior cidade do país, a Polícia Militar usa a nova abordagem determinada pelo Ministério da Justiça desde 1999. Ao tomar conhecimento da portaria do governo federal, o comandante da PM de São Paulo, coronel Álvaro Batista Camilo, chegou a dizer que o texto é “uma cópia” do que já acontece no estado. De acordo com o comando da PM, os 100 mil homens da corporação fazem 30 mil abordagens com armas de fogo por dia. Em caso de ações que ofereçam risco, os policiais fazem disparos de alerta, segundo informa o capitão Arthur Alvarez, instrutor da corporação.

Já a Polícia Civil paulista acredita que não há necessidade de aplicar a portaria por não estar na linha de frente no combate à criminalidade. Por sua vez, a Polícia Civil do Distrito Federal diz que já adota as técnicas de uso progressivo da força, conforme previsto em legislação nacional e, mesmo sem a obrigatoriedade de adoção das novas regras do governo federal, vai analisar seus dispositivos para adaptações, se necessárias.

O que diz a norma
Conheça alguns pontos da Portaria n° 4.226, de 31 de dezembro de 2010:

» O uso da força pelos agentes de segurança pública
deverá se pautar nos documentos internacionais
de proteção aos direitos humanos.

» O uso da força por agentes de segurança pública
deverá obedecer aos princípios da legalidade, da necessidade, da proporcionalidade, da moderação
e da conveniência.

» Os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave.

» Não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.

» Não é legítimo o uso de armas de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, a não ser que o ato represente um risco imediato de morte ou lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.

» Os chamados “disparos de advertência” não são considerados prática aceitável em razão da imprevisibilidade de seus efeitos.
» O ato de apontar arma de fogo contra pessoas
durante os procedimentos de abordagem não
deverá ser uma prática rotineira e indiscriminada.

» Todo agente de segurança pública que, em razão da sua função, possa vir a se envolver em situações de uso da força, deverá portar no mínimo dois instrumentos de menor potencial ofensivo e equipamentos de proteção necessários à atuação específica, independentemente de portar ou não arma de fogo.

» Os órgãos de segurança pública deverão editar atos normativos disciplinando o uso da força por seus agentes.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O terceiro pacto

O Estado de S. Paulo
10/02/2011

Lançada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, na solenidade de abertura do Ano Judiciário, a proposta de um 3.º Pacto Republicano para a Reforma do Poder Judiciário acaba de ser aceita pelo ministro da Justiça, Martins Cardoso, em nome do Executivo. Ela também foi endossada pelos presidentes da Câmara e do Senado, que já se comprometeram a agilizar a tramitação dos projetos de reforma dos Códigos de Processo Civil e de Processo Penal. E também vem sendo apoiada por entidades de magistrados.

A ideia de Peluso é firmar um acordo entre os presidentes dos Três Poderes para assegurar a aprovação - em regime de urgência - de projetos de lei e de Emendas Constitucionais que aumentem a produtividade dos tribunais, mediante a simplificação dos procedimentos processuais e ampliação das competências dos tribunais de segunda instância. Como a lista das propostas ainda não está definida, o 3.º Pacto Republicano vai demorar algum tempo para ser assinado.

Até o momento, as únicas sugestões concretas foram apresentadas pelo presidente do STF. Para acabar com a impunidade dos réus em ações criminais e com as estratégias protelatórias dos advogados, ele defende a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional permitindo que as sentenças dadas pelos Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais de Justiça vigorem imediatamente, independentemente do julgamento dos recursos especiais e extraordinários impetrados no Superior Tribunal de Justiça e no STF. Pela legislação em vigor, esses recursos têm efeito suspensivo - e esse é um dos fatores que alimentam a impunidade, uma vez que o crime pode prescrever antes de ser julgado em caráter definitivo.

Peluso também propõe a redução do número de recursos que podem ser apresentados em cada instância judicial. Como a legislação vigente prevê muitos recursos, eles tendem a se justapor, resultando na concessão indiscriminada de liminares. É isso que tem permitido a advogados, defensores públicos, promotores de Justiça e subprocuradores da República questionar - muitas vezes sem provas documentais ou sem base legal - decisões do poder público e da iniciativa privada, levando à "judicialização" da vida econômica, política e administrativa do País.

Essas propostas são polêmicas e devem sofrer forte oposição dos advogados, pois sua adoção abreviaria a tramitação dos processos. Além disso, para as entidades da categoria, o fortalecimento dos TJs e dos TRFs pode levar à "ditadura da magistratura de 2.º grau". Segundo a OAB, a morosidade da Justiça decorre de má gestão e não do número de recursos.

Essa polêmica já foi travada durante a discussão das propostas dos dois Pactos Republicanos anteriores. O primeiro foi firmado em 2005, depois da aprovação da Emenda Constitucional 45, que introduziu a reforma do Judiciário e resultou na aprovação da súmula vinculante e do princípio da repercussão geral.

O segundo Pacto foi assinado em 2009 e resultou na aprovação da Lei n.º 12.322, que encurtou os prazos dos recursos. O balanço de 2010 do STF dá a medida do impacto desses acordos. Antes deles, a mais importante Corte do País recebia mais de 100 mil recursos por ano. Em 2010, foram recebidos 41.098 processos.

Até agora, os acordos entre os Três Poderes para modernizar a Justiça limitam-se a propostas que alteram a legislação processual. Nos países que tomaram iniciativas semelhantes, vários já concluíram a reforma processual e agora estão promovendo reformas administrativas. Para reduzir custos e racionalizar gastos, eles estão diminuindo o número de varas nas comarcas com pouca demanda e remanejando magistrados. Embora as entidades de advogados aleguem que essas mudanças podem reduzir o acesso dos cidadãos à Justiça, elas têm sido apoiadas pela sociedade.

A modernização da Justiça brasileira ainda está no começo. Mais dias menos dia, além da reforma processual, a instituição terá de discutir mudanças administrativas e financeiras.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

As urgências da Justiça

Folha de São Paulo
Tendências e Debates
09/02/2011
José Renato Nalini
Mestre e doutor em direito constitucional pela USP, é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de "A Rebelião"

A judicialização de todas as questões fez da Justiça tema permanente. Se isso ocorre em todo o mundo, a reforma do Judiciário no Brasil ganhou destaque a partir da visita que o general Ernesto Geisel fez ao Supremo Tribunal Federal (STF), quando ficou perplexo com o volume de recursos em trâmite.

A pretexto de aprimorar a Justiça, editou o "pacote de abril", a emenda constitucional nº 7/77, após fechar o Congresso.

Fruto disso, a Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional, lei complementar nº 35, de 14/3/1979), considerada "a camisa de força do juiz brasileiro" e ainda em vigor, recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Este, o pacto republicano que mais confiou na Justiça.

Prestigiou o Judiciário, ampliou-lhe funções e insistiu na celeridade.

A crise continuou, mesmo porque é permanente, pois é parte da crise do Estado. Foi necessária uma nova reforma do Judiciário, agora com a emenda constitucional nº 45/2004.

Criou-se o Conselho Nacional de Justiça, o controle externo do Judiciário e seu órgão de planejamento.

A lentidão continua a ser o maior problema. Tanto que se inseriu novo direito fundamental ao já alentado rol do artigo 5º da Constituição de 1988, a garantir rapidez na prestação jurisdicional.

Às modificações do Pacto, seguiu-se a edição de leis processuais de aceleração da Justiça. O CNJ alavancou as exigências de um sistema afinado com a pós-modernidade e implementou boas medidas.

Dentre elas, os mutirões de atualização jurisdicional, a apuração de falhas nos presídios e a adoção de estatísticas propiciadoras de racionalização. Estratégias de que o Judiciário nunca se valera antes na história da República.

Tudo ainda não repercutiu em profunda reforma estrutural da Justiça. As queixas em relação aos serviços judiciais recrudescem. A burocracia impera. O anacronismo aliou-se à inércia, princípio processual transplantado para a administração e subsistente em boa parte do universo judiciário.

O que falta para modernizar a Justiça? Sobram pessoas eruditas e tecnicamente capazes para a função de decidir. Padece a Justiça de capacidade gestora da atividade-meio e de estratégias hábeis a conferir eficiência à a atividade-fim.

Eficiência é princípio impositivo à administração pública e, portanto, ao Judiciário. Resiste-se à busca de eficiência como se fosse inviável conciliá-la com segurança jurídica.

Todavia, não é eficientismo o que se deseja, senão atender aos necessitados do justo concreto. Ou a decisão é oportuna ou já falhou.

O Brasil tem peritos em administração e empreendedores criativos.

Como foi que as empresas conseguiram sobreviver num capitalismo competitivo e selvagem? Foram cérebros os artífices da façanha.

Tais talentos hão de ser requisitados para contribuir na elaboração de projeto consistente e viável para reduzir gargalos, racionalizar procedimentos e trâmites e conferir um trato modernizante ao emperrado aparelhamento judicial.

É inviável aguardar uma reação endógena ao urgente pleito de "aggiornamento" da Justiça. Até o momento, não conseguiu o Judiciário desatar seus nós.

Fazer justiça é um serviço público que afeta a todos e, enquanto a sociedade não se interessar por seu funcionamento, de pouco valerão as reformas constitucionais, a produção de novas leis e as recomendações correcionais.

Aperfeiçoar a Justiça brasileira é dever de todos os que nela enxergam o equipamento essencial à concretização da democracia participativa prometida pelo constituinte, sem a qual não há que se falar em Estado de Direito.


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

SP prepara regra para cobrar planos de saúde

Valor Econômico 
03/02/2011
Autor(es): Cristiane Agostine e Luciano Máximo | De São Paulo

O governo de São Paulo prepara medidas que podem colocá-lo frente a frente com o setor privado de saúde. O novo secretário estadual de Saúde, Giovanni Guido Cerri, está formulando projeto-piloto que deve ser implementado ainda este ano para permitir que o Estado cobre dos convênios médicos o atendimento realizado a seus segurados em hospitais públicos - embate que vem sendo perdido em nível nacional.

Em entrevista ao Valor, Cerri revelou que a proposta prevê a identificação dos pacientes dos planos antes mesmo do atendimento, por meio de um cartão. Além disso, as cobranças serão feitas em base contratual diretamente entre o hospital e as operadoras de planos de saúde. A princípio, o ressarcimento será testado nas unidades hospitalares paulistas administradas por organizações sociais (OS), entidades de direito privado. "A cobrança de uma instituição privada para outra é muito mais fácil, rápida e simples em relação à cobrança feita pelo Estado", avalia Cerri.

A política está sendo construída em parceria com a Agência Nacional de Saúde (ANS), autarquia do Ministério da Saúde responsável pelo ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS). Na segunda-feira, Cerri conversou com o presidente da ANS, Maurício Ceschin, sobre a possibilidade de estender o modelo para todo o país. Entre 2007 e 2009, as notificações de cobrança emitidas pela ANS registraram redução de 75%, enquanto a devolução dos convênios ao SUS caiu mais de 40% no período. Um dos motivos para o desempenho ruim são as impugnações das cobranças obtidas na Justiça pelos convênios, principalmente nas instâncias inferiores. Movimentos de saúde cobram decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para dar jurisprudência a esse tipo de processo.

O teste começará no Instituto do Câncer, administrado por uma OS. Segundo Cerri, 22% dos internados na unidade têm planos de saúde. "São pacientes que contribuem todo mês com planos de saúde, e o convênio não faz nenhum ressarcimento ao Estado", diz o secretário. A implementação do modelo pode durar até dois anos.

No projeto-piloto de São Paulo, os pacientes serão identificados ao ingressar no hospital e a cobrança será feita imediatamente. Para a ANS, o problema atual no ressarcimento ao SUS é detectar os pacientes de planos de saúde. "Se ele fosse identificado na porta, não teria dificuldade de cobrar. O problema é isso não acontece. Na entrada [o hospital] já se comunica com o plano de saúde para informar que o paciente será atendido", explica Cerri. Se o plano de saúde discordar do atendimento, será o responsável pelo deslocamento do paciente até outro hospital.

A legislação atual, em vigência desde 1998, prevê que as operadoras reembolsem o SUS quando um segurado de convênio médico utiliza a rede pública. A ANS é a responsável pela cobrança, que é feita após o tratamento. A agência cruza os dados da lista de pessoas atendidas nos hospitais públicos com a lista dos planos de saúde.

A proposta de São Paulo prevê duas mudanças em relação à lei atual: além da identificação logo no início do tratamento, a cobrança será feita pelo Estado, não pela ANS. Para tentar minimizar os problemas com as empresas operadoras dos planos, o governo prevê a formalização da cobrança em contrato. "Um caminho é a contratualização. O paciente entrou [no hospital], o plano paga", diz Cerri.

O projeto ainda não foi discutido com os planos de saúde, mas deve enfrentar resistência das empresas, embora Cerri acredite no contrário: "É uma questão de justiça social." A FenaSaúde, entidade de classe do setor, informou, por meio de sua assessoria, que prefere aguardar o amadurecimento do projeto para se manifestar.

O novo modelo de cobrança deve ser implementado em São Paulo por ser o Estado com o maior número de pessoas cobertas por planos de saúde. Nas contas do secretário estadual, metade da população que vive na cidade de São Paulo tem plano de saúde. No interior são 40%. Giovanni Guido Cerri discutiu o assunto na semana passada também com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que é favorável à criação de mecanismos mais eficientes de identificação de pacientes de planos de saúde que utilizam a rede do SUS.

Em São Paulo, até 25% dos leitos dos hospitais públicos podem receber pacientes com planos de saúde. Segundo o secretário estadual, no Hospital das Clínicas, os usuários de convênios representam 5% do total de atendimentos e os recursos obtidos com essa faixa representam um quarto de toda a receita da unidade. No Instituto do Coração, o serviço a destinado a pacientes conveniados representa metade da receita. "Esses recursos permitem investimentos em infraestrutura que possibilitam melhor atendimento a todos os pacientes", justifica Cerri. "Não tem lógica o hospital público atender paciente de plano de saúde e não ter ressarcimento."

Para o pesquisador Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o envolvimento das secretarias estaduais de Saúde no processo de ressarcimento do SUS é uma boa maneira para destravar os processos. Já a "contratualização" das cobranças é considerado um risco, por abrir espaço aos planos de saúde nos hospitais públicos. "O processo decisório na ANS é muito burocrático e demorado, os governos podem ser importantes atores para agilizar a identificação dos procedimentos, principalmente nos Estados com grande cobertura do sistema privado. Quanto à ideia de São Paulo, qual a garantia de que o hospital público não será transformado em um da rede credenciada do convênio?", pondera Scheffer.