segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Portaria limita o uso de armas pela polícia

Correio Braziliense 
21/02/2011
Autor(es): Maria Clara Prates

A partir de abril, agentes só poderão atirar após dois alertas que não representem risco de morte ao suspeito. Associação reclama da medida

Uma portaria interministerial, assinada no último dia do governo Lula, está causando polêmica por limitar o uso das armas letais pelas forças policiais do país. A partir de abril, agentes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, do Departamento Penitenciário Nacional e da Força Nacional de Segurança Pública estão obrigados a dar dois alertas que não representem risco de vida ao suspeito, com emprego de armamento não letal, antes de puxar a arma de fogo. O uso do tiro somente está previsto em caso de “legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave”, conforme previsto na Portaria n° 4.226, de 31 de dezembro de 2010. Também fica proibido, pela norma elaborada pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, disparar contra aqueles que desrespeitem bloqueio policial em via pública.

As novas regras, no entanto, já estão gerando acalorados debates entre representantes das corporações policiais da União. Na ala dos descontentes, está a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ANDPF), que defende uma reforma em algumas das previsões legais. O ex-presidente da ANDPF e hoje secretário de Segurança Pública do Paraná, delegado Reinaldo de Almeida César, considera que a portaria tem dispositivos impossíveis de serem executados. Além disso, ele defende a tese de que faltou um diálogo mais aprofundado com os integrantes das forças policiais antes da aprovação das medidas. “Faltou debate com aqueles que conhecem a atuação policial”, argumenta. O delegado diz que vai propor ao diretor-geral da PF, Leandro Coimbra, que peça ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a revisão de alguns dispositivos da norma.

Crítica
Um dos itens mais criticados é o que veda o uso de arma de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial. Para Reinaldo César, isso significa pôr fim à eficácia das barreiras, uma das ações mais importantes de segurança pública. “Por que assaltantes em fuga respeitariam um bloqueio se não existe a possibilidade de interceptação do carro para identificação?”, indaga. Mesmo com as críticas às novas regras, Reinaldo César afirma que, como secretário de Segurança Pública do Paraná, já determinou que os comandantes das duas polícias estaduais formem comissão para estudar a aplicação dos dispositivos para uso progressivo da força, conforme recomendado pela portaria.

Segundo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a adoção das novas regras foi necessária para padronizar as condutas policiais e harmonizá-las com conceitos internacionais estabelecidos em diferentes convenções, das quais o Brasil é signatário.

Independentemente dos debates, a Polícia Federal já está fazendo seu dever de casa. De acordo com o Boletim Interno n° 26, a Academia Nacional da PF (ANPF) formou a sua comissão para adotar os novos dispositivos. Segundo a publicação, o diretor da ANPF, Disney Rosseti, disse que já adota o conceito de uso progressivo da força e que, na formação do policial, também é vedado o uso de arma contra pessoas em fuga e desarmadas, além dos tiros de advertência e dos disparos contra veículos que desrespeitem bloqueios policiais.

Civil e PM podem adotar regras
Ullisses Campbell
Com Leandro Kleber
Especial para o correio

Brasília e São Paulo — Apesar de dizer que “obrigatoriamente” as novas regras valem apenas para as forças da União, conforme previsão constitucional, as polícias estaduais — Civil e Militar — são estimuladas a adotar as mesmas regras, atraídas pela promessa de liberação de recursos para a área de segurança das unidades da Federação que aderirem à legislação. Em seu artigo 4º, a portaria diz: “A Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça levará em consideração a observância das diretrizes tratadas nessa portaria no repasse de recursos aos entes federados”.

É de olho nesses recursos que o secretário de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, Lafayette Andrada, eleito deputado estadual pelo PSDB, se reúne amanhã com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Segundo Andrada, Minas não só vem adotando as diretrizes de uso progressivo da força desde 2002, como foi um dos colaboradores na redação e na elaboração da portaria em razão de sua experiência nesse tipo de ação. “Somente no ano passado, promovemos o treinamento de 1.480 policiais em técnicas de uso de armas não letais. Outros mil foram formados em direitos humanos e 8,4 mil se capacitaram em policiamento comunitário”, afirma Andrada.

Na maior cidade do país, a Polícia Militar usa a nova abordagem determinada pelo Ministério da Justiça desde 1999. Ao tomar conhecimento da portaria do governo federal, o comandante da PM de São Paulo, coronel Álvaro Batista Camilo, chegou a dizer que o texto é “uma cópia” do que já acontece no estado. De acordo com o comando da PM, os 100 mil homens da corporação fazem 30 mil abordagens com armas de fogo por dia. Em caso de ações que ofereçam risco, os policiais fazem disparos de alerta, segundo informa o capitão Arthur Alvarez, instrutor da corporação.

Já a Polícia Civil paulista acredita que não há necessidade de aplicar a portaria por não estar na linha de frente no combate à criminalidade. Por sua vez, a Polícia Civil do Distrito Federal diz que já adota as técnicas de uso progressivo da força, conforme previsto em legislação nacional e, mesmo sem a obrigatoriedade de adoção das novas regras do governo federal, vai analisar seus dispositivos para adaptações, se necessárias.

O que diz a norma
Conheça alguns pontos da Portaria n° 4.226, de 31 de dezembro de 2010:

» O uso da força pelos agentes de segurança pública
deverá se pautar nos documentos internacionais
de proteção aos direitos humanos.

» O uso da força por agentes de segurança pública
deverá obedecer aos princípios da legalidade, da necessidade, da proporcionalidade, da moderação
e da conveniência.

» Os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave.

» Não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.

» Não é legítimo o uso de armas de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, a não ser que o ato represente um risco imediato de morte ou lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.

» Os chamados “disparos de advertência” não são considerados prática aceitável em razão da imprevisibilidade de seus efeitos.
» O ato de apontar arma de fogo contra pessoas
durante os procedimentos de abordagem não
deverá ser uma prática rotineira e indiscriminada.

» Todo agente de segurança pública que, em razão da sua função, possa vir a se envolver em situações de uso da força, deverá portar no mínimo dois instrumentos de menor potencial ofensivo e equipamentos de proteção necessários à atuação específica, independentemente de portar ou não arma de fogo.

» Os órgãos de segurança pública deverão editar atos normativos disciplinando o uso da força por seus agentes.

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