quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Justiça tarda e falha

Correio Braziliense - 24/11/2010

Nas Entrelinhas
Autor(es): Lúcio Vaz

Pior do que a demora no julgamento é quando a Justiça não chega a uma decisão. Primeiro, porque um inocente pode ser injustamente acusado. Segundo, porque um bandido pode estar à solta

Um detalhe chama sempre a atenção nas notícias sobre condenação de políticos: o tempo decorrido entre o ato praticado e a decisão da Justiça. Além disso, muitas vezes, trata-se apenas de uma sentença em primeira instância. Até se chegar a uma decisão irrecorrível, quando o processo foi transitado em julgado, podem passar mais alguns anos. O último contemplado com sentença de primeira instância foi o deputado Paulinho da Força (PDT-SP), condenado por improbidade administrativa por assinar convênios irregulares com verbas do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT) em 2001. Já se passaram nove anos. O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou as ilegalidades e mandou suspender os repasses em 2003. Depois disso, ele foi eleito deputado federal, em 2006, e cumpriu integralmente o mandato, até ser reeleito nas eleições deste ano. Antes disso, em 2008, tornou-se suspeito de envolvimento num caso de desvio de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), num processo ainda não concluído.

O ex-governador de Alagoas Ronaldo Lessa (PDT) recebeu condenação definitiva do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Vai ter que pagar R$ 300 mil de indenização a um desembargador de Alagoas por calúnia e injúria. O desembargador foi chamado de “ladrão desavergonhado” em janeiro de 2001, quando Lessa ainda era governador. Pelo menos, não há mais recursos, mas já se passaram nove anos do momento da acusação. O ex-governador tentou, sem sucesso, voltar ao cargo de governador nas eleições deste ano.

Pior do que a demora no julgamento é quando a Justiça não chega a uma decisão, mesmo passados anos da denúncia. Primeiro, porque fica a dúvida sobre a culpa do suspeito. Ele pode ser um inocente, injustamente acusado. Segundo, porque um bandido pode estar à solta, quem sabe praticando os mesmos crimes dos quais é acusado. Os erros judiciais em julgamentos são raros, mas a demora nas decisões também pode ser considerada como falha da Justiça. Sem entrar no mérito de cada caso, cinco ex-deputados denunciados pela CPI dos Sanguessugas como envolvidos com a Máfia das Ambulâncias estarão de volta ao mandato parlamentar em fevereiro próximo. Eles respondem a processo na Justiça Federal, mas não foram levados a julgamento. Também deixaram a Câmara sem serem julgados pelos colegas, no plenário da Casa. Ao regressarem, deverá ser aberto novo processo no Conselho de Ética, um órgão que tem sido moroso nas suas decisões. Os processos judiciais terão agora foro privilegiado: o Supremo Tribunal Federal (STF), que raramente condena políticos.

Lei para inocentes
É evidente que a culpa por tanta demora não é apenas do Judiciário. Esse poder queixou-se durante anos, com razão, da falta de estrutura física. Mas houve uma recuperação nos últimos quatro anos, com a destinação de R$ 1,6 bilhão do Orçamento da União para construção de prédios, reformas, e implantação de projetos que visam a melhoria processual. Só a implantação do Sistema Integrado de Gestão da Informação Jurisdicional consumiu R$ 570 milhões. Mesmo a construção de sedes das diferentes áreas da Justiça, muitas vezes criticada, objetiva a agilidade dos serviços e o melhor atendimento do público. É claro que, às vezes, os tribunais exageram no luxo de seus prédios, algo inadequado a um país que tem milhões de pessoas sem casa própria.

Parte do problema decorre da desatualização dos códigos de processo civil e criminal. Há uma infinidade de recursos, com prazos enormes, que possibilitam arrastar durante anos um processo. O novo Código de Processo Civil já está para ser votado no Congresso Nacional. Ele procura agilizar a tramitação dos processos, sem ferir o direito constitucional de ampla defesa. Para se ter uma idéia da defasagem do atual código, basta lembrar que ele foi aprovado em 1973.

Como bem lembrou o ex-ministro da Justiça Saulo Ramos, em entrevista concedida em janeiro do ano passado à revista Veja, a lei se preocupa só com os inocentes. “O problema é que a legislação brasileira parece feita só para inocentes. Os constituintes olharam para o passado, não para o futuro: fizeram vários artigos para defender os presos políticos das masmorras da ditadura”, disse o ex-ministro do governo Sarney. O problema é que os advogados dos culpados sabem utilizar muito bem os instrumentos da lei criados para proteger os inocentes. Que o diga o jornalista Pimenta Neves, réu confesso condenado em primeira instância pelo assassinato da jornalista Sandra Gomide, mas ainda em liberdade.

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