quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

ICMS favorece o ajuste fiscal dos Estados

Estado de S. Paulo
Opinião
24/01/2011

Entre 2009 e 2010, a arrecadação do principal tributo estadual, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cresceu 17%, segundo o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). É um resultado muito favorável, mas, mesmo que a receita do ICMS ainda cresça neste ano, os Estados serão impelidos a ajustar suas contas em face do cenário macroeconômico menos favorável do que o do ano passado.

Apesar da arrecadação recorde do ICMS, em 2010, de R$ 268,6 bilhões, os Estados apresentaram um déficit acumulado nominal de R$ 40,4 bilhões, equivalente a 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB). O superávit primário dos Estados, de 0,56% do PIB, em 2009, ficou aquém do que se esperava em 2010 (0,46% do PIB). Em relação a 2007, quando houve um grande superávit primário de 0,98% do PIB, a queda foi ainda maior.

Inúmeros fatores explicam o aumento da receita do ICMS em 2010, tais como a forte expansão do consumo e a base de comparação baixa (2009 foi um ano de recessão). Essa combinação favorável não se repetirá em 2011, pois a receita do ICMS deste ano será comparada com a de um período excepcional (2010).

São Paulo arrecadou R$ 92,3 bilhões, 17,5% mais do que em 2009, beneficiando-se tanto de setores tradicionais, como energia elétrica, comunicações e combustíveis, como das importações. Goiás conseguiu elevar a receita em 19%, em boa medida por causa da renegociação de dívidas dos contribuintes. E a Bahia beneficiou-se com o aumento de quase 20% na receita, causado pela arrecadação dos setores de serviços associados à exportação. No Rio, a receita do ICMS cresceu mais de 20% em decorrência do aumento da fiscalização e da "modernização da legislação tributária", segundo o secretário da Fazenda, Renato Villela. E Minas Gerais elevou a receita do ICMS em quase 22%. Em resumo: os Estados tendem a seguir o exemplo paulista de investir no aperfeiçoamento da fiscalização, reduzindo o espaço da sonegação.

Mas os Estados também dependem das transferências do Fundo de Participação dos Estados (FPE), formado com parcelas dos recursos do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Em 2010, ano em que o PIB cresceu entre 7,4%, segundo agentes privados, e 7,8%, segundo estimativas do Banco Central, os Estados receberam do FPE R$ 39 bilhões, ou R$ 3 bilhões mais do que em 2009. Ao ICMS caberá, provavelmente, o papel de tábua de salvação fiscal dos Estados, inclusive para o cumprimento das metas para as contas públicas.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O salário dos juízes

O Globo 
21/02/2011
Autor(es): Agência O globo:Antonio Cesar Siqueira

Apartir deste mês, entra em vigor a lei, aprovada em cinco minutos no Congresso Nacional, no apagar das luzes de 2010, que reajusta os vencimentos de parlamentares, ministros de Estado, presidente da República e vice. Todos passam a ganhar R$26,7 mil. Para deputados e senadores, o novo salário significa acréscimo de 61%. No caso da Presidência, representa 133%, e, no tocante aos ministros, 150%.

Não se trata, aqui, de emitir qualquer juízo de valores sobre os ganhos dos ocupantes de cargos no Executivo e no Legislativo. Porém, é inevitável abordar a questão à luz de alguns conceitos equivocados difundidos à opinião pública, que acabam distorcendo fatos e informações e estabelecendo avaliação injusta sobre a situação de algumas carreiras. Entre estas, inclui-se a dos juízes de direito, cuja função pública é de extrema relevância para que a sociedade paute-se pelo estado de direito, a prevalência da ordem e a predominância da justiça nas interações entre todos os indivíduos e organizações.

Pois bem, criou-se a falsa ideia de que os magistrados ganham salários muito elevados. É preciso conceituar corretamente essa questão, entendendo-se as peculiaridades da carreira. Para ser juiz, o indivíduo tem de ser bacharel em Direito, cujo curso superior tem cinco anos de duração. Depois, é preciso prestar rigorosos concursos públicos para ingressar na Magistratura estadual ou na federal. Não há indicação política e não existem nomeações por indicação. É pura meritocracia! Ou passa no concurso ou não se ingressa na carreira!

Ademais, por força constitucional e por um princípio filosófico absolutamente correto, os juízes não podem ter funções paralelas, pois lhes são vedadas quaisquer atividades remuneradas além do exercício de sua própria profissão. Este limite, aliás, é imprescindível para a sua independência enquanto magistrados e para a soberania do Poder Judiciário, que não pode ser suscetível a influências alheias ao universo da lei e da lógica da Justiça. Esta característica é um dos alicerces basilares da democracia e do equânime exercício dos direitos individuais e coletivos.

Por outro lado, os juízes não legislam sobre os próprios ganhos, como fazem os parlamentares, pois dependem destes para a aprovação e do Poder Executivo para a sanção de projetos de lei referentes aos seus vencimentos. Também não ganham extras de qualquer natureza. Recebem simplesmente o seu salário mensal, ao longo de toda a carreira. Assim, não se deve comparar os seus proventos com os de ministros de Estado, que, entre outras fontes, têm jetons por integrarem conselhos de empresas de economia mista, que superam o próprio valor dos subsídios, chegando, em alguns casos, a R$60 mil, ou de parlamentares, que também ganham extras para participar de sessões extraordinárias e recebem substantiva verba de gabinete para viagens, moradia, combustível e outras despesas, no montante de R$100 mil.

Dada sua importância para a sociedade e o país, a Magistratura precisa oferecer salários com um mínimo de atratividade para os jovens bacharéis em Direito. Caso contrário, corre-se o risco de desestímulo crescente à carreira, o que seria danoso. Ao juiz cabem vencimentos compatíveis com a complexidade e a responsabilidade inerentes às suas funções, de modo que tenha independência, segurança de uma vida digna para sua família e muito foco na missão de fazer prevalecer o marco legal. Discutir a conveniência ou não da reposição inflacionária nesse quadro de absoluto desrespeito à regra constitucional do teto remuneratório parece cortina de fumaça para encobrir a real situação.

Que, em nome da verdade, os atuais ministros de Estado e os do governo anterior abram suas contas para mostrar ao povo o que receberam de jetons e outras verbas decorrentes, direta ou indiretamente, do cargo. Nessa hora, o reajuste pretendido pelos magistrados parecerá discussão sobre o mínimo.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Portaria limita o uso de armas pela polícia

Correio Braziliense 
21/02/2011
Autor(es): Maria Clara Prates

A partir de abril, agentes só poderão atirar após dois alertas que não representem risco de morte ao suspeito. Associação reclama da medida

Uma portaria interministerial, assinada no último dia do governo Lula, está causando polêmica por limitar o uso das armas letais pelas forças policiais do país. A partir de abril, agentes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, do Departamento Penitenciário Nacional e da Força Nacional de Segurança Pública estão obrigados a dar dois alertas que não representem risco de vida ao suspeito, com emprego de armamento não letal, antes de puxar a arma de fogo. O uso do tiro somente está previsto em caso de “legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave”, conforme previsto na Portaria n° 4.226, de 31 de dezembro de 2010. Também fica proibido, pela norma elaborada pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, disparar contra aqueles que desrespeitem bloqueio policial em via pública.

As novas regras, no entanto, já estão gerando acalorados debates entre representantes das corporações policiais da União. Na ala dos descontentes, está a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ANDPF), que defende uma reforma em algumas das previsões legais. O ex-presidente da ANDPF e hoje secretário de Segurança Pública do Paraná, delegado Reinaldo de Almeida César, considera que a portaria tem dispositivos impossíveis de serem executados. Além disso, ele defende a tese de que faltou um diálogo mais aprofundado com os integrantes das forças policiais antes da aprovação das medidas. “Faltou debate com aqueles que conhecem a atuação policial”, argumenta. O delegado diz que vai propor ao diretor-geral da PF, Leandro Coimbra, que peça ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a revisão de alguns dispositivos da norma.

Crítica
Um dos itens mais criticados é o que veda o uso de arma de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial. Para Reinaldo César, isso significa pôr fim à eficácia das barreiras, uma das ações mais importantes de segurança pública. “Por que assaltantes em fuga respeitariam um bloqueio se não existe a possibilidade de interceptação do carro para identificação?”, indaga. Mesmo com as críticas às novas regras, Reinaldo César afirma que, como secretário de Segurança Pública do Paraná, já determinou que os comandantes das duas polícias estaduais formem comissão para estudar a aplicação dos dispositivos para uso progressivo da força, conforme recomendado pela portaria.

Segundo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a adoção das novas regras foi necessária para padronizar as condutas policiais e harmonizá-las com conceitos internacionais estabelecidos em diferentes convenções, das quais o Brasil é signatário.

Independentemente dos debates, a Polícia Federal já está fazendo seu dever de casa. De acordo com o Boletim Interno n° 26, a Academia Nacional da PF (ANPF) formou a sua comissão para adotar os novos dispositivos. Segundo a publicação, o diretor da ANPF, Disney Rosseti, disse que já adota o conceito de uso progressivo da força e que, na formação do policial, também é vedado o uso de arma contra pessoas em fuga e desarmadas, além dos tiros de advertência e dos disparos contra veículos que desrespeitem bloqueios policiais.

Civil e PM podem adotar regras
Ullisses Campbell
Com Leandro Kleber
Especial para o correio

Brasília e São Paulo — Apesar de dizer que “obrigatoriamente” as novas regras valem apenas para as forças da União, conforme previsão constitucional, as polícias estaduais — Civil e Militar — são estimuladas a adotar as mesmas regras, atraídas pela promessa de liberação de recursos para a área de segurança das unidades da Federação que aderirem à legislação. Em seu artigo 4º, a portaria diz: “A Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça levará em consideração a observância das diretrizes tratadas nessa portaria no repasse de recursos aos entes federados”.

É de olho nesses recursos que o secretário de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, Lafayette Andrada, eleito deputado estadual pelo PSDB, se reúne amanhã com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Segundo Andrada, Minas não só vem adotando as diretrizes de uso progressivo da força desde 2002, como foi um dos colaboradores na redação e na elaboração da portaria em razão de sua experiência nesse tipo de ação. “Somente no ano passado, promovemos o treinamento de 1.480 policiais em técnicas de uso de armas não letais. Outros mil foram formados em direitos humanos e 8,4 mil se capacitaram em policiamento comunitário”, afirma Andrada.

Na maior cidade do país, a Polícia Militar usa a nova abordagem determinada pelo Ministério da Justiça desde 1999. Ao tomar conhecimento da portaria do governo federal, o comandante da PM de São Paulo, coronel Álvaro Batista Camilo, chegou a dizer que o texto é “uma cópia” do que já acontece no estado. De acordo com o comando da PM, os 100 mil homens da corporação fazem 30 mil abordagens com armas de fogo por dia. Em caso de ações que ofereçam risco, os policiais fazem disparos de alerta, segundo informa o capitão Arthur Alvarez, instrutor da corporação.

Já a Polícia Civil paulista acredita que não há necessidade de aplicar a portaria por não estar na linha de frente no combate à criminalidade. Por sua vez, a Polícia Civil do Distrito Federal diz que já adota as técnicas de uso progressivo da força, conforme previsto em legislação nacional e, mesmo sem a obrigatoriedade de adoção das novas regras do governo federal, vai analisar seus dispositivos para adaptações, se necessárias.

O que diz a norma
Conheça alguns pontos da Portaria n° 4.226, de 31 de dezembro de 2010:

» O uso da força pelos agentes de segurança pública
deverá se pautar nos documentos internacionais
de proteção aos direitos humanos.

» O uso da força por agentes de segurança pública
deverá obedecer aos princípios da legalidade, da necessidade, da proporcionalidade, da moderação
e da conveniência.

» Os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave.

» Não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.

» Não é legítimo o uso de armas de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, a não ser que o ato represente um risco imediato de morte ou lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.

» Os chamados “disparos de advertência” não são considerados prática aceitável em razão da imprevisibilidade de seus efeitos.
» O ato de apontar arma de fogo contra pessoas
durante os procedimentos de abordagem não
deverá ser uma prática rotineira e indiscriminada.

» Todo agente de segurança pública que, em razão da sua função, possa vir a se envolver em situações de uso da força, deverá portar no mínimo dois instrumentos de menor potencial ofensivo e equipamentos de proteção necessários à atuação específica, independentemente de portar ou não arma de fogo.

» Os órgãos de segurança pública deverão editar atos normativos disciplinando o uso da força por seus agentes.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O terceiro pacto

O Estado de S. Paulo
10/02/2011

Lançada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, na solenidade de abertura do Ano Judiciário, a proposta de um 3.º Pacto Republicano para a Reforma do Poder Judiciário acaba de ser aceita pelo ministro da Justiça, Martins Cardoso, em nome do Executivo. Ela também foi endossada pelos presidentes da Câmara e do Senado, que já se comprometeram a agilizar a tramitação dos projetos de reforma dos Códigos de Processo Civil e de Processo Penal. E também vem sendo apoiada por entidades de magistrados.

A ideia de Peluso é firmar um acordo entre os presidentes dos Três Poderes para assegurar a aprovação - em regime de urgência - de projetos de lei e de Emendas Constitucionais que aumentem a produtividade dos tribunais, mediante a simplificação dos procedimentos processuais e ampliação das competências dos tribunais de segunda instância. Como a lista das propostas ainda não está definida, o 3.º Pacto Republicano vai demorar algum tempo para ser assinado.

Até o momento, as únicas sugestões concretas foram apresentadas pelo presidente do STF. Para acabar com a impunidade dos réus em ações criminais e com as estratégias protelatórias dos advogados, ele defende a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional permitindo que as sentenças dadas pelos Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais de Justiça vigorem imediatamente, independentemente do julgamento dos recursos especiais e extraordinários impetrados no Superior Tribunal de Justiça e no STF. Pela legislação em vigor, esses recursos têm efeito suspensivo - e esse é um dos fatores que alimentam a impunidade, uma vez que o crime pode prescrever antes de ser julgado em caráter definitivo.

Peluso também propõe a redução do número de recursos que podem ser apresentados em cada instância judicial. Como a legislação vigente prevê muitos recursos, eles tendem a se justapor, resultando na concessão indiscriminada de liminares. É isso que tem permitido a advogados, defensores públicos, promotores de Justiça e subprocuradores da República questionar - muitas vezes sem provas documentais ou sem base legal - decisões do poder público e da iniciativa privada, levando à "judicialização" da vida econômica, política e administrativa do País.

Essas propostas são polêmicas e devem sofrer forte oposição dos advogados, pois sua adoção abreviaria a tramitação dos processos. Além disso, para as entidades da categoria, o fortalecimento dos TJs e dos TRFs pode levar à "ditadura da magistratura de 2.º grau". Segundo a OAB, a morosidade da Justiça decorre de má gestão e não do número de recursos.

Essa polêmica já foi travada durante a discussão das propostas dos dois Pactos Republicanos anteriores. O primeiro foi firmado em 2005, depois da aprovação da Emenda Constitucional 45, que introduziu a reforma do Judiciário e resultou na aprovação da súmula vinculante e do princípio da repercussão geral.

O segundo Pacto foi assinado em 2009 e resultou na aprovação da Lei n.º 12.322, que encurtou os prazos dos recursos. O balanço de 2010 do STF dá a medida do impacto desses acordos. Antes deles, a mais importante Corte do País recebia mais de 100 mil recursos por ano. Em 2010, foram recebidos 41.098 processos.

Até agora, os acordos entre os Três Poderes para modernizar a Justiça limitam-se a propostas que alteram a legislação processual. Nos países que tomaram iniciativas semelhantes, vários já concluíram a reforma processual e agora estão promovendo reformas administrativas. Para reduzir custos e racionalizar gastos, eles estão diminuindo o número de varas nas comarcas com pouca demanda e remanejando magistrados. Embora as entidades de advogados aleguem que essas mudanças podem reduzir o acesso dos cidadãos à Justiça, elas têm sido apoiadas pela sociedade.

A modernização da Justiça brasileira ainda está no começo. Mais dias menos dia, além da reforma processual, a instituição terá de discutir mudanças administrativas e financeiras.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

As urgências da Justiça

Folha de São Paulo
Tendências e Debates
09/02/2011
José Renato Nalini
Mestre e doutor em direito constitucional pela USP, é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de "A Rebelião"

A judicialização de todas as questões fez da Justiça tema permanente. Se isso ocorre em todo o mundo, a reforma do Judiciário no Brasil ganhou destaque a partir da visita que o general Ernesto Geisel fez ao Supremo Tribunal Federal (STF), quando ficou perplexo com o volume de recursos em trâmite.

A pretexto de aprimorar a Justiça, editou o "pacote de abril", a emenda constitucional nº 7/77, após fechar o Congresso.

Fruto disso, a Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional, lei complementar nº 35, de 14/3/1979), considerada "a camisa de força do juiz brasileiro" e ainda em vigor, recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Este, o pacto republicano que mais confiou na Justiça.

Prestigiou o Judiciário, ampliou-lhe funções e insistiu na celeridade.

A crise continuou, mesmo porque é permanente, pois é parte da crise do Estado. Foi necessária uma nova reforma do Judiciário, agora com a emenda constitucional nº 45/2004.

Criou-se o Conselho Nacional de Justiça, o controle externo do Judiciário e seu órgão de planejamento.

A lentidão continua a ser o maior problema. Tanto que se inseriu novo direito fundamental ao já alentado rol do artigo 5º da Constituição de 1988, a garantir rapidez na prestação jurisdicional.

Às modificações do Pacto, seguiu-se a edição de leis processuais de aceleração da Justiça. O CNJ alavancou as exigências de um sistema afinado com a pós-modernidade e implementou boas medidas.

Dentre elas, os mutirões de atualização jurisdicional, a apuração de falhas nos presídios e a adoção de estatísticas propiciadoras de racionalização. Estratégias de que o Judiciário nunca se valera antes na história da República.

Tudo ainda não repercutiu em profunda reforma estrutural da Justiça. As queixas em relação aos serviços judiciais recrudescem. A burocracia impera. O anacronismo aliou-se à inércia, princípio processual transplantado para a administração e subsistente em boa parte do universo judiciário.

O que falta para modernizar a Justiça? Sobram pessoas eruditas e tecnicamente capazes para a função de decidir. Padece a Justiça de capacidade gestora da atividade-meio e de estratégias hábeis a conferir eficiência à a atividade-fim.

Eficiência é princípio impositivo à administração pública e, portanto, ao Judiciário. Resiste-se à busca de eficiência como se fosse inviável conciliá-la com segurança jurídica.

Todavia, não é eficientismo o que se deseja, senão atender aos necessitados do justo concreto. Ou a decisão é oportuna ou já falhou.

O Brasil tem peritos em administração e empreendedores criativos.

Como foi que as empresas conseguiram sobreviver num capitalismo competitivo e selvagem? Foram cérebros os artífices da façanha.

Tais talentos hão de ser requisitados para contribuir na elaboração de projeto consistente e viável para reduzir gargalos, racionalizar procedimentos e trâmites e conferir um trato modernizante ao emperrado aparelhamento judicial.

É inviável aguardar uma reação endógena ao urgente pleito de "aggiornamento" da Justiça. Até o momento, não conseguiu o Judiciário desatar seus nós.

Fazer justiça é um serviço público que afeta a todos e, enquanto a sociedade não se interessar por seu funcionamento, de pouco valerão as reformas constitucionais, a produção de novas leis e as recomendações correcionais.

Aperfeiçoar a Justiça brasileira é dever de todos os que nela enxergam o equipamento essencial à concretização da democracia participativa prometida pelo constituinte, sem a qual não há que se falar em Estado de Direito.


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

SP prepara regra para cobrar planos de saúde

Valor Econômico 
03/02/2011
Autor(es): Cristiane Agostine e Luciano Máximo | De São Paulo

O governo de São Paulo prepara medidas que podem colocá-lo frente a frente com o setor privado de saúde. O novo secretário estadual de Saúde, Giovanni Guido Cerri, está formulando projeto-piloto que deve ser implementado ainda este ano para permitir que o Estado cobre dos convênios médicos o atendimento realizado a seus segurados em hospitais públicos - embate que vem sendo perdido em nível nacional.

Em entrevista ao Valor, Cerri revelou que a proposta prevê a identificação dos pacientes dos planos antes mesmo do atendimento, por meio de um cartão. Além disso, as cobranças serão feitas em base contratual diretamente entre o hospital e as operadoras de planos de saúde. A princípio, o ressarcimento será testado nas unidades hospitalares paulistas administradas por organizações sociais (OS), entidades de direito privado. "A cobrança de uma instituição privada para outra é muito mais fácil, rápida e simples em relação à cobrança feita pelo Estado", avalia Cerri.

A política está sendo construída em parceria com a Agência Nacional de Saúde (ANS), autarquia do Ministério da Saúde responsável pelo ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS). Na segunda-feira, Cerri conversou com o presidente da ANS, Maurício Ceschin, sobre a possibilidade de estender o modelo para todo o país. Entre 2007 e 2009, as notificações de cobrança emitidas pela ANS registraram redução de 75%, enquanto a devolução dos convênios ao SUS caiu mais de 40% no período. Um dos motivos para o desempenho ruim são as impugnações das cobranças obtidas na Justiça pelos convênios, principalmente nas instâncias inferiores. Movimentos de saúde cobram decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para dar jurisprudência a esse tipo de processo.

O teste começará no Instituto do Câncer, administrado por uma OS. Segundo Cerri, 22% dos internados na unidade têm planos de saúde. "São pacientes que contribuem todo mês com planos de saúde, e o convênio não faz nenhum ressarcimento ao Estado", diz o secretário. A implementação do modelo pode durar até dois anos.

No projeto-piloto de São Paulo, os pacientes serão identificados ao ingressar no hospital e a cobrança será feita imediatamente. Para a ANS, o problema atual no ressarcimento ao SUS é detectar os pacientes de planos de saúde. "Se ele fosse identificado na porta, não teria dificuldade de cobrar. O problema é isso não acontece. Na entrada [o hospital] já se comunica com o plano de saúde para informar que o paciente será atendido", explica Cerri. Se o plano de saúde discordar do atendimento, será o responsável pelo deslocamento do paciente até outro hospital.

A legislação atual, em vigência desde 1998, prevê que as operadoras reembolsem o SUS quando um segurado de convênio médico utiliza a rede pública. A ANS é a responsável pela cobrança, que é feita após o tratamento. A agência cruza os dados da lista de pessoas atendidas nos hospitais públicos com a lista dos planos de saúde.

A proposta de São Paulo prevê duas mudanças em relação à lei atual: além da identificação logo no início do tratamento, a cobrança será feita pelo Estado, não pela ANS. Para tentar minimizar os problemas com as empresas operadoras dos planos, o governo prevê a formalização da cobrança em contrato. "Um caminho é a contratualização. O paciente entrou [no hospital], o plano paga", diz Cerri.

O projeto ainda não foi discutido com os planos de saúde, mas deve enfrentar resistência das empresas, embora Cerri acredite no contrário: "É uma questão de justiça social." A FenaSaúde, entidade de classe do setor, informou, por meio de sua assessoria, que prefere aguardar o amadurecimento do projeto para se manifestar.

O novo modelo de cobrança deve ser implementado em São Paulo por ser o Estado com o maior número de pessoas cobertas por planos de saúde. Nas contas do secretário estadual, metade da população que vive na cidade de São Paulo tem plano de saúde. No interior são 40%. Giovanni Guido Cerri discutiu o assunto na semana passada também com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que é favorável à criação de mecanismos mais eficientes de identificação de pacientes de planos de saúde que utilizam a rede do SUS.

Em São Paulo, até 25% dos leitos dos hospitais públicos podem receber pacientes com planos de saúde. Segundo o secretário estadual, no Hospital das Clínicas, os usuários de convênios representam 5% do total de atendimentos e os recursos obtidos com essa faixa representam um quarto de toda a receita da unidade. No Instituto do Coração, o serviço a destinado a pacientes conveniados representa metade da receita. "Esses recursos permitem investimentos em infraestrutura que possibilitam melhor atendimento a todos os pacientes", justifica Cerri. "Não tem lógica o hospital público atender paciente de plano de saúde e não ter ressarcimento."

Para o pesquisador Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o envolvimento das secretarias estaduais de Saúde no processo de ressarcimento do SUS é uma boa maneira para destravar os processos. Já a "contratualização" das cobranças é considerado um risco, por abrir espaço aos planos de saúde nos hospitais públicos. "O processo decisório na ANS é muito burocrático e demorado, os governos podem ser importantes atores para agilizar a identificação dos procedimentos, principalmente nos Estados com grande cobertura do sistema privado. Quanto à ideia de São Paulo, qual a garantia de que o hospital público não será transformado em um da rede credenciada do convênio?", pondera Scheffer.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Bahia vai cobrar ICMS na venda pela internet

Valor Econômico
27/01/2011
Autor(es): Marta Watanabe | De São Paulo

A Bahia resolveu entrar firme na disputa pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas vendas pela internet. A partir de fevereiro as lojas "pontocom" deverão recolher 10% de ICMS para a Bahia nas vendas a consumidores localizados em território baiano. Mesmo que as mercadorias saiam fisicamente de depósitos localizados em outros Estados. Atualmente as mercadorias vendidas pela internet para consumidores localizados na Bahia têm o imposto inteiramente retido pelo Estado em que está localizado o depósito físico do produto.

Segundo a Fazenda, a mercadoria que vier de outro Estado para o consumidor localizado na Bahia deverá entrar em território baiano acompanhada da guia de recolhimento do imposto. Isso, segundo divulgação da Fazenda, evitará "a demora na entrega e possíveis transtornos aos destinatários". Caso a mercadoria não esteja acompanhada da guia, a transportadora ficará como fiel depositária das mercadorias.

A medida, implementada por meio de uma mudança no regula mento do ICMS da Bahia leva em consideração, segundo a própria Fazenda, o aumento das vendas pelo comércio virtual. No ano passado a Bahia alega que deixou de arrecadar cerca de R$ 85 milhões com o ICMS sobre vendas eletrônicas. A ideia da Fazenda baiana é também estimular que o comércio "pontocom" instale na Bahia depósitos para distribuição dos produtos vendidos pela internet.

O assunto cria disputas entre Estados do Sudeste, onde se localiza a maior parte dos centros de distribuição de produtos, e regiões consumidoras, como o Nordeste e o Centro-Oeste. Estados como Mato Grosso e Ceará já chegaram a aplicar anteriormente medidas para tributar ou controlar de alguma forma a entrada de mercadorias vendidas pela internet.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Uma lei ridícula

O Globo
26/01/2011

Autor(es): Jacob Dolinger

O governo encerrou o 2010 com a lei nº 12.376 exclusivamente para alterar o titulo de uma lei promulgada em 1942.

O titulo da lei de 1942 enuncia "Lei de Introdução ao Código Civil", que acaba de ser alterada para "Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro", visando, diz a nova lei, a "ampliar o campo da aplicação de lei de 1942". Em outras palavras, onde se lia "Lei de introdução ao Código Civil", leia-se "Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro". Isto, com o objetivo de ampliar o alcance da antiga lei, de 1942. Nada poderia ser mais errôneo e enganador.

O Congresso, ao sancionar esta lei, nada mais fez do que reiterar o que era óbvio, evidente, notório, reconhecido, aplicado e respeitado. A lei de 1942 estabelece os parâmetros temporais e espaciais da legislação brasileira. Enuncia os princípios relativos ao início e ao fim da vigência da lei. Dispõe sobre como se revoga uma lei por um novo diploma legal. Estabelece que ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando não conhecê-la, e cuida da hipótese de lei omissa. A Lei de Introdução também dispõe como as normas jurídicas devem ser aplicadas ("atendendo a seus fins sociais e às exigências do bem comum"), e fixa o importante princípio do respeito pelo ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Poderia alguém suspeitar que estes fundamentos básicos de nosso sistema jurídico, estabelecidos pelo legislador de 1942, se referissem tão somente ao Código Civil? Que não se aplicassem igualmente às leis comerciais, administrativas, tributárias, penais e processuais? A doutrina e a jurisprudência brasileiras sempre aplicaram as normas temporais do decreto lei de 1942 como princípios imanentes a todo o sistema jurídico nacional.

A segunda parte da Lei de Introdução cuida do direito no plano espacial - que lei aplicar em hipóteses com fatores nacionais e estrangeiros, nossa legislação ou a estrangeira? Nesta parte cuida de aspectos do direito civil - casamento, divórcio, paternidade, sucessão, obrigações - mas também regula questões relativas a sociedades (direito comercial), à competência das autoridades judiciárias no plano internacional, ao efeito das sentenças estrangeiras e ao sistema de provas judiciais (processual); trata da naturalização (constitucional) e da competência dos cônsules brasileiros no exterior (internacional).

De maneira que o conteúdo da lei de 1942 demonstra clara e insofismavelmente sua abrangência a todos os setores do direito brasileiro, a todas as "normas de direito brasileiro".

Assim, a referência na ementa de 1942 de se tratar de uma lei de introdução ao Código Civil jamais foi vista como restritiva; sempre se entendeu que se trata de lei que rege todo o sistema jurídico, daí ter sido classificada como infraconstitucional.

Aprovar em 2010 uma lei para modificar a ementa da lei de 1942, para reiterar o que sempre foi aceito como pacífico, é um desperdício legislativo, uma medida sem significado, uma legislação sem sentido, um desrespeito a como esta lei foi invariavelmente estudada e interpretada pelos mestres e aplicada pelos tribunais em décadas.

Por outro lado, espera-se há anos que o Congresso aprove o projeto de lei nº 269 do Senado, apresentado em 2004 pelo senador Pedro Simon, que cria uma nova, moderna legislação sob o título "Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas", para substituir a Lei de Introdução, estabelecendo princípios e regras conformes à legislação de praticamente todos os países. Basta dizer que a de 1942 não reconhece expressamente a liberdade dos contratantes em pactos internacionais de escolher a lei que será aplicada - a brasileira ou a estrangeira -, autonomia que é aceita por todas as legislações e convenções internacionais. Esta falha tem causado prejuízos na atuação internacional da empresa brasileira. Importante inovação do projeto Pedro Simon é determinar a lei aplicável às obrigações por atos ilícitos de caráter internacional. Consagra a cooperação jurídica internacional e introduz inúmeras outras inovações no campo do chamado "conflito das leis". Visa a integrar o Brasil na moderna sociedade das nações em relações privadas internacionais.

Onde jaz este importantíssimo projeto de lei? Enquanto isto o Poder Legislativo caiu no ridículo de criar uma "lei" totalmente desnecessária, absolutamente sem sentido e sem objetivo e, acima de tudo, desrespeitadora da ciência jurídica nacional.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Política Nacional de Resíduos Sólidos: "Decreto não esclarece cumprimento de normas estaduais"

Valor Econômico
13/01/2011
Autor(es): Laura Ignacio | De São Paulo

O Decreto Federal nº 7.404, de 2010, que regulamenta a política nacional de resíduos sólidos, não esclarece como as empresas devem fazer para cumprir a lei nacional e, ao mesmo tempo, as demais normas estaduais ou municipais sobre resíduos sólidos. Segundo Silvano Silvério da Costa, secretário de recursos hídricos e ambiente urbano do Ministério do Meio Ambiente, tais normas regionais só não podem colidir com a política nacional. "Mas elas podem, sim, ser mais restritivas", afirma o secretário.

No Paraná, por exemplo, há uma legislação relacionada a lâmpadas desde a década de 80. As quatro maiores fabricantes de lâmpadas no país acumulam multas baseadas nessa legislação. Com a entrada em vigor da política nacional, empresas associadas à Associação Brasileira da Indústria de Iluminação (Abilux) firmaram um compromisso com a Secretaria do Meio Ambiente do Estado. Segundo Isac Roizenblatt, diretor técnico da associação, o termo estipula que serão recolhidas e recicladas 260 mil lâmpadas fluorescentes disponíveis em 23 municípios do Estado do Paraná. "Cerca de 50% já foi reciclado", estima.

Segundo a secretaria paranaense, as multas relacionadas ao passado continuam a ser discutidas na Justiça. A Philips, uma das empresas multadas, por exemplo, tem um programa de reciclagem de eletroeletrônicos em funcionamento desde 2008. Pretende reciclar suas lâmpadas em escala nacional até o fim do semestre. "Alguns ajustes deverão ser realizados no nosso programa em razão da política nacional", afirma Walter Duran, diretor de sustentabilidade da empresa.

Em São Paulo, a política nacional de resíduos sólidos foi um dos motivos que fez com que a Secretaria do Estado do Meio Ambiente de São Paulo prorrogasse a entrada em vigor do cumprimento das metas de reciclagem estabelecidas pela legislação estadual. "Adiamos para abril", afirma Casemiro Tércio Carvalho, ex secretário-adjunto.

A lei do Estado estabeleceu as chamadas metas estruturantes. De acordo com advogados, é o que as empresas esperam da política nacional. Não são estabelecidos percentuais da produção que devem ser reciclados pelas fabricantes, mas acordos setoriais que impõem medidas regionais como a implantação de pontos de coleta em certas regiões e os responsáveis por elas na cadeia produtiva.

Fazenda paulista limita transferência de créditos do ICMS

Valor Econômico
Legislação & Tributos
Laura Ignacio
De São Paulo - 29/12/2010

A partir de julho, as empresas de São Paulo só poderão transferir para terceiros créditos do ICMS provenientes da compra de bens para o seu ativo imobilizado como, por exemplo, máquinas para a produção industrial. A medida foi imposta pelo Decreto estadual nº 56.473, de 2010, que alterou o Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo.

Para o advogado Tiago Guarnieri Feracioli, do escritório Levy & Salomão Advogados, a limitação da transferência de crédito acumulado terá grande impacto nas empresas. "Antes, era possível aproveitar crédito obtido na compra de insumo, de mercadoria, ativo imobilizado, energia elétrica, entre outros", comenta.

A transferência desses créditos só pode ser realizada para terceiros que sejam empresas interdependentes. Ou seja, as empresas com sócios em comum ou em que uma delas é titular de mais de 50% do capital da outra. A relação é comprovada por meio do contrato social das companhias envolvidas. Com a transferência de créditos de ICMS, se uma delas possui débitos do imposto, o crédito da outra é usado para quitar essas dívidas.

A advogada Fernanda Possebon, do escritório Braga & Marafon Consultores e Advogados, afirma que a empresa com saldo credor de ICMS pode acumular créditos ou transferi-los para empresas interdependentes. "Não pode, por exemplo, transferir para fornecedores como forma de pagamento por matéria-prima", comenta a advogada. "O problema do novo decreto é limitar ao crédito obtido na aquisição de ativo imobilizado", diz.

A orientação do escritório Levy & Salomão é que as empresas com saldo credor devem se organizar para viabilizar a transferência antes de julho. "Nem que seja para acumular créditos de ICMS na outra empresa, que costuma gerar mais débitos", afirma Feracioli. Primeiramente, o Decreto nº 56.133, de 2010, havia estabelecido o prazo de janeiro de 2011. No começo do mês, a Fazenda ampliou o prazo para uma melhor adequação das empresas às novas regras.

Procurada pelo Valor, a Fazenda afirma que não houve nenhuma alteração ou restrição às modalidades de transferência de crédito simples do ICMS. Por nota, confirmou a limitação a créditos obtidos na compra de bens do ativo permanente. Além disso, deixou claro que a transferência não pode ser feita a quaisquer terceiros.

"Após auditoria fiscal, a transferência somente pode ser autorizada para os destinatários expressamente indicados no artigo 70 do Regulamento do ICMS - estabelecimentos de cooperativas, outros estabelecimentos do mesmo titular ou ainda para estabelecimentos de empresas interdependentes".

Guerra fiscal atinge executivos

Valor Econômico
Legislação & Tributos
Zínia Baeta 
De São Paulo - 29/12/2010

Os contribuintes de São Paulo enfrentam uma nova batalha na interminável guerra fiscal entre os Estados. Além de sofrerem autuações milionárias, sócios e executivos de empresas passam agora a se deparar com inquéritos policiais e processos criminais abertos contra eles por terem feito uso de benefícios fiscais não aprovados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) - ainda que essas vantagens sejam oferecidas pelos governos estaduais por meio de legislações locais.

As representações penais são encaminhadas pela Secretaria da Fazenda ao Ministério Público quando o contribuinte perde na instância administrativa - o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) do Estado de São Paulo - o processo pelo qual se defende de autuação por uso de créditos do ICMS considerados ilegais.

Segundo especialistas, trata-se de uma questão de interpretação jurídica. Os contribuintes utilizam um benefício autorizado pela lei de um determinado Estado - o que, para advogados, está dentro da legalidade. Já o Estado de São Paulo interpreta que, nesses casos, pode ter ocorrido a redução ou a supressão de um tributo, o que caracterizaria crime contra a ordem tributária. Por esse motivo, há o encaminhamento de representação ao Ministério Público, que pede a abertura de inquérito policial. A depender dos resultados da investigação, o inquérito pode ser arquivado ou uma denúncia pode ser encaminhada pelo MP ao Judiciário.

"Isso causa um constrangimento enorme ao empresário", afirma o advogado Saulo Vinícius de Alcântara, do escritório Celso Cordeiro de Almeida e Silva Advogados. "Para cada auto de infração, há abertura de um inquérito", diz. Recentemente, Alcântara conseguiu suspender o indiciamento de um cliente que respondia a um inquérito policial em Ribeirão Preto. A discussão envolvia mais de R$ 25 milhões. A empresa utilizou, entre 2002 e 2004, um benefício concedido pelo Distrito Federal. O Estado de São Paulo entendeu que houve uso indevido de percentuais além daqueles permitidos pela legislação. Segundo o advogado, a delegada responsável pelo caso concluiu pela não ocorrência do crime. Dentre outros pontos, considerou o resultado do laudo pericial contábil do Instituto de Criminalística que apontava no mesmo sentido.

O advogado tributarista Yun Ki Lee, sócio do escritório Dantas, Lee, Brock & Camargo Advogados, acompanha três casos de clientes que respondem a inquéritos policiais por valores que passam pela casa dos R$ 10 milhões. São situações de importação de bens realizadas por Santa Catarina. O Estado oferece um benefício que não é reconhecido por São Paulo. Yun Ki Lee diz que São Paulo entende que há fraude nesse tipo de operação e encaminha a representação contra os dirigentes das empresas ao Ministério Público. A medida, de acordo com ele, traz um desconforto imenso para o empresário, obrigado a comparecer a delegacias para prestar esclarecimentos.

A situação, segundo o advogado, é muito pior para as pequenas e médias empresas, pois a maioria delas não têm condições de realizar depósito judicial desses valores ou oferecer fiança nas ações de execução fiscal nas quais discutem a cobrança do tributo. Segundo Yun Ki Lee, com o depósito é possível que a Justiça suspenda o inquérito policial até o julgamento final da ação. Mas sem essa caução, dificilmente a medida é concedida. "Muitos clientes têm oferecido como garantia o estoque, mas não é algo aceito facilmente", diz.

No início deste ano, o advogado Fábio Antônio Tavares, do Décio Freire Advogados, foi consultado por dois executivos que passavam por situação semelhante em razão de discussões sobre benefícios fiscais não aprovados pelo Confaz. Um deles, presidente de uma grande empresa, preferiu pagar o débito para depois entrar com uma ação de repetição de indébito contra o Estado e tentar recuperar os valores que ele entendia não serem devidos. Segundo Tavares, no caso de grandes empresas, pagar o débito e entrar com ação posterior tem sido a opção da maioria. Mas para representantes de pequenas e médias empresas, em razão dos altos valores envolvidos, não há muita saída a não ser pedir um habeas corpus ao Judiciário para evitar maiores problemas. Para o advogado, a discussão penal não faz o menor sentido. Segundo ele, não se pode processar alguém por divergência de interpretação entre leis de Estados diferentes. "Quem fica com a espada na cabeça é o contribuinte. Isso é uma bitributação", diz. Para o advogado Saulo Vinícius de Alcântara, não há crime nos casos de benefício fiscal, pois, ainda que inconstitucionais, foram aproveitados dentro da legalidade.

A Secretaria da Fazenda de São Paulo informou, por nota, que a legislação atual impõe às autoridades tributárias a obrigação de comunicar ao Ministério Público fatos que configurem, em tese, crime contra a ordem tributária. O que não seria diferente nos casos de benefícios não aprovados pelo Confaz. "Os autos de infração e imposição de multa relativos à glosa de crédito decorrente de benefícios concedidos por outros Estados sem autorização do Confaz, que tenham exaurido a discussão administrativa com julgamento desfavorável ao contribuinte, também se submetem ao mesmo comando da legislação". Segundo a Fazenda, trata-se, portanto, de uma obrigação e não de ato discricionário da autoridade administrativa.


quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Governo de SP abre nova tentativa para vender a Cesp

O Estado de S. Paulo 
12/01/2011
Autor(es): Roberto Almeida e Renée Pereira
Energética paulista não será ""reestatizada"", diz secretário José Aníbal, segundo quem opções de venda estão abertas

José Aníbal, titular da pasta de Energia do governo Geraldo Alckmin (PSDB), disse ontem que não existe possibilidade de "reestatização" da empresa por meio de venda para o governo federal. "O setor elétrico de São Paulo é complexo e tem infinitas possibilidades. Não vamos ficar nos prendendo a esta ou àquela alternativa", afirmou.

A Cesp é a quarta maior geradora do País, com seis hidrelétricas e capacidade instalada de 7.455 megawatts (MW). Em 2009, a empresa conseguiu reverter prejuízo de R$ 2,3 bilhões para um lucro de R$ 762 milhões. Em 2010, apesar de os números terem piorado por causa do câmbio, a companhia teve ganho no primeiro semestre.

De acordo com os balanços, 37% da dívida total da empresa, de R$ 5 bilhões, está em moeda estrangeira. Qualquer oscilação no câmbio, para cima ou para baixo, provoca grandes impactos no resultado da estatal.

O governo paulista já tentou privatizar a empresa três vezes: em 2000, na gestão de Mário Covas; 2001, com Geraldo Alckmin; e 2006, com José Serra. Todas as tentativas foram frustradas. Na última, por causa do vencimento da concessão de algumas usinas nos próximos anos.

Segundo Aníbal, o esforço atual é para ampliar as concessões das duas maiores usinas da Cesp - Jupiá e Ilha Solteira -, que vencem em 2015. Antes disso, afirma, a venda é impossível.

Ontem, Alckmin afirmou que "não há nada decidido" sobre a possibilidade de venda da Cesp para o governo federal. "Primeiro é preciso aguardar a renovação das concessões", afirmou, em referência a Jupiá e Ilha Solteira. Em entrevista ao Estado, na última sexta-feira, o governador afirmou que "não haverá venda de ativos".

A gestão Alckmin, porém, tem em seu Orçamento uma queda de 6,5% nos investimentos previstos em virtude da impossibilidade de vender ativos. Além disso, para apertar as contas públicas, ordenou um corte de 10% no custeio. Mesmo assim, afirmou Aníbal, o governador não deu aval para a venda da Cesp.

Além disso, uma eventual venda para o sistema Eletrobrás nos moldes da compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil exigiria mudanças na lei que instituiu o Programa Estadual de Desestatização de São Paulo. /

A Secretaria de Energia do governo de São Paulo estuda um "leque de possibilidades" para o futuro da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), entre elas um leilão total da empresa, uma venda parcial e a adoção de parcerias com empresas públicas federais ou empresas privadas. Essas alternativas turbinaram o preço de suas ações no pregão de ontem. Na máxima do dia, subiu 8,11%. Mas perdeu força e fechou com alta de 1,58%.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O ICMS nas telecomunicações

O Globo
10/01/2011

O coordenador do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e secretário da Fazenda da Bahia, Carlos Martins Marques Santana, admitiu discutir as alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre a internet de banda larga. Além de ser um programa do qual o governo federal pretende tirar proveito político, a banda larga é um serviço essencial aos negócios. Está sujeita, no entanto, a uma das maiores tributações do mundo.

Famílias e empresas usuárias de telecomunicações pagam, em média, entre 40% e 63% de tributos sobre esses serviços, o que reduz o acesso a eles e tolhe o desenvolvimento de programas educacionais e sociais. A tributação do ICMS sobre telecomunicações é, de fato, questão complexa, admitiu Santana em entrevista ao jornal Valor, pois tem implicações sobre a receita tributária dos Estados. "Será necessário discutir essa proposta dentro de questões mais globais", acrescentou.

Ao lado da energia elétrica e dos combustíveis, o ICMS sobre telecomunicações é uma das principais fontes de arrecadação dos Estados e chegou a representar 12,4% da receita nacional do ICMS, em 2005 - porcentual que declinou para 11% entre janeiro e outubro de 2010, segundo o Confaz. Ainda é muito, não apenas do ponto de vista da arrecadação, mas também do bolso dos consumidores.

Em Estados como São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, a alíquota nominal do ICMS é de 25%. Chega a 27%, na Bahia; a 28%, em Pernambuco; a 29%, em Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná; a 30% no Rio de Janeiro e em Mato Grosso; e culmina com os 35% cobrados em Rondônia. É bem mais do que a alíquota geral do ICMS, de 18%.

E se às alíquotas do ICMS forem acrescidas as do PIS e da Cofins, a tributação efetiva total sobre os serviços de telecomunicações é de, no mínimo, 40,15%, em São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul e em mais 10 Estados, e, no máximo, de 62,99%, em Rondônia, segundo dados do SindiTelebrasil e da consultoria Teleco, especializada no setor.

Os serviços de banda larga propiciam, por enquanto, contribuição modesta na arrecadação do ICMS, de cerca de 13% da arrecadação total do imposto, mas a tendência é de crescimento. Entre 2000 e 2009, o número de usuários da banda larga aumentou de 200 mil para 11,4 milhões - e o Plano Nacional da Banda Larga (PNBL) prevê o atendimento de 40 milhões de usuários até 2014.

A expansão da banda larga será tanto maior quanto menores forem os ônus tributários impostos pelos três níveis de governo. O acesso universalizado à banda larga dependerá mais das operadoras privadas de telecomunicações, como parece reconhecer o Ministério das Comunicações, do que da Telebrás. Esta foi quase totalmente desativada após a privatização da telefonia, nos anos 90, e ressuscitada no final do governo Lula, para executar o PNBL.

Uma queda de braço em torno do ICMS, entre as operadoras e os Estados, está em curso há muito. A novidade é o reconhecimento por membros do Confaz - colegiado formado pelos secretários de Fazenda dos Estados, que só decide pela unanimidade de seus membros -, de que a voracidade tributária é empecilho à expansão dos serviços e o resultado final é prejudicial à receita dos Estados. Isto ficou demonstrado, por exemplo, quando a redução do IPI sobre veículos ajudou as vendas da indústria automobilística e propiciou mais arrecadação para o governo federal.

Foi insuficiente o que o Confaz fez, até agora, para desonerar a banda larga: os Estados foram autorizados a fazer convênios com as operadoras para a concessão de benefícios de ICMS para a banda larga popular. Mas os convênios tiveram pouca adesão, circunscrita a São Paulo, Pará, Amapá, Ceará e o Distrito Federal.

Enquanto se espera por uma reforma tributária ampla, capaz de desonerar folhas de salários e produção e estimular a atividade, que se abra um debate sério sobre a tributação das telecomunicações, entendidas como fator essencial para a atividade econômica e o bem-estar da população.

STJ livra executivos de ações tributárias

Valor Econômico
10/01/2011
Autor(es): Zínia Baeta | De São Paulo

Uma nova decisão da Justiça trouxe maior segurança para a defesa de sócios e executivos de empresas que tiveram bens penhorados ou respondem a ações por dívidas fiscais das empresas que representam. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar um recurso repetitivo referente ao pagamento de débitos previdenciários, entendeu que, para ser considerado devedor solidário de débito tributário da companhia, deve ser comprovado que o sócio ou administrador agiu com excesso de poderes ou contra a lei - como estabelece o artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN).

O caso analisado pela 1ª Seção da Corte refere-se a uma previsão da Lei nº 8.620, de 1993 - que determina a responsabilidade pessoal de sócios, gerentes e administradores por dívidas previdenciárias da pessoa jurídica. Apesar de o artigo 13 da norma ter sido revogado em 2009 pela Lei nº 11.941, de ter sido considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim do ano passado e do próprio STJ já decidir nesse sentido, o julgamento é importante porque serve de parâmetro para magistrados da primeira e segunda instância. Como o tema foi analisado sob o rito dos recursos repetitivos, essa é a orientação que deve ser seguida pelas instâncias inferiores.

Segundo tributaristas, o efeito prático desse julgamento é imenso. O advogado Júlio de Oliveira, sócio do Machado Associados, afirma que, ainda que as autoridades fiscais continuem a colocar o nome dos sócios nas ações fiscais sem qualquer investigação, a defesa para excluí-los da ação de cobrança ficará mais tranquila. "Não será necessário ficar argumentando com o magistrado. Bastará apontar a existência desse recurso repetitivo", afirma.

O advogado Igor Mauler Santiago, do escritório Sacha Calmon, Misabel Derzi, Consultores e Advogados, afirma que, apesar de a decisão ter como foco a lei que estabelecia a responsabilidade direta dos sócios pelo pagamento de débitos previdenciários de empresas limitadas, os argumentos apresentados pelo STJ valeriam para todas as outras situações em que representantes das companhias são chamados a responder por esses débitos. "Os fundamentos valem para todas as outras situações de inadimplemento", afirma.

Na decisão, o STJ considerou a própria jurisprudência da Corte sobre o tema, ou seja, a necessidade de cumprimento do artigo 135 do CTN (excesso de poderes e infração de lei), mas também o julgamento do ano passado do Supremo sobre a norma.

O STF entendeu no ano passado, ao também analisar a Lei nº 8.620, que a responsabilidade pelo tributo não pode ser de qualquer pessoa, "exigindo-se relação com o fato gerador ou com o contribuinte". A relatora do processo na Corte, ministra Ellen Gracie, entendeu que o responsável pela contribuição tributária não pode ser qualquer pessoa. Segundo ela, o simples atraso no pagamento dos tributos não seria capaz de fazer com que os gerentes, diretores ou representantes respondessem com o seu próprio patrimônio. "A responsabilidade pessoal só poderá ocorrer se ficar comprovado que houve dolo para o não pagamento", diz Oliveira.

Segundo ele, atualmente os contribuintes enfrentam mais problemas com alguns Estados do que com a União. O advogado cita como exemplo uma empresa de perfumaria e cosméticos em que dois executivos tiveram contas bloqueadas e um carro penhorado por débitos estaduais que ainda estavam sendo discutidos na esfera administrativa. Para evitar problemas para sócios de uma varejista cliente do escritório, o advogado entrou com ações cautelares para que eles não fossem considerados devedores solidários, até que o mérito do processo seja julgado. "Tudo isso gera muita dor de cabeça para os executivos", afirma.