Valor Econômico
30 de agosto de 2010
Autor: Marta Watanabe, de São Paulo
Uma liminar obtida pela BRF Brasil Foods no Supremo Tribunal Federal (STF) sinaliza uma possível mudança de cenário nas discussões sobre guerra fiscal. Pela decisão, em vez de restringir o uso de créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pelas empresas, os Estados devem resolver entre si, no Judiciário, questões de benefícios fiscais concedidos indevidamente.
No caso da Brasil Foods, a Secretaria da Fazenda de Minas Gerais restringiu o uso de créditos de ICMS quando a empresa adquiriu produtos originados de Goiás. O objetivo de Minas era neutralizar o benefício fiscal concedido pelo governo goiano. Segundo o processo, a Fazenda de Goiás permite a redução do ICMS com a concessão de um crédito do imposto.
Como é um tributo não-cumulativo, o ICMS a ser recolhido deve ser calculado sobre o produto vendido, com a dedução do imposto pago nas compras feitas pela empresa. No caso da Brasil Foods, a empresa pediu liminar para usar integralmente o crédito de 12% aplicado para as mercadorias vindas de Goiás. A alíquota de 12% de ICMS é a aplicada nas operações interestaduais.
A Fazenda mineira, porém, não queria permitir o crédito de 12%. Segundo Minas Gerais, essa dedução não seria devida porque os produtos adquiridos pela empresa aproveitaram crédito de 2% concedido por Goiás e, portanto, não foram pagos os 12% de imposto. A Fazenda mineira impôs a restrição sob o argumento de que o benefício fiscal de Goiás é irregular, já que não foi autorizado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão que reúne as secretarias de Fazenda.
A liminar obtida pela Brasil Foods foi concedida pela ministra Ellen Gracie. Com a decisão, a empresa conseguiu suspender a cobrança judicial de ICMS pela Fazenda de Minas. A decisão é considerada o primeiro precedente favorável do Supremo sobre o assunto. Em seu voto, a ministra diz que a restrição ao aproveitamento de créditos de ICMS é "descabida". A ministra destaca que o caminho seria Minas Gerais discutir a constitucionalidade do benefício de Goiás no Judiciário.
Tiago Guarnieri Feracioli, advogado do Levy & Salomão, lembra que as empresas têm perdido essa disputa nos tribunais estaduais, que sempre julgam válida a restrição ao crédito de ICMS imposta pelo governo local.
Recentemente, lembra o advogado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) chegou a dar uma decisão favorável às empresas, com conclusão semelhante. A expectativa, porém, explica Feracioli, está voltada para o Supremo, que deve dar a decisão final para o assunto. Entre os julgamentos mais recentes, o precedente era desfavorável. O advogado lembra que em decisão do ano passado o ministro Joaquim Barbosa entendeu que quando beneficiado por incentivo fiscal ilegal, a mercadoria perdia o direito do crédito integral do imposto.
Apesar da ministra Ellen Gracie ser apenas um voto entre os onze ministros do STF, a decisão pode sinalizar uma mudança de rumo do Judiciário para um cenário mais favorável aos contribuintes, diz a advogada Fernanda Possebon Barbosa, do escritório Braga & Marafon. "A nova decisão aborda exatamente os argumentos que vinham sendo defendidos pelas empresas e que não estavam entrando no centro das discussões", diz Paulo Vaz, do Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados.
Para ele, se esse entendimento for consolidado, poderá haver mudança na forma como os Estados lidam com os incentivos indevidos concedidos em outros locais. "Hoje, quando se deparam com benefício que não foi aprovado pelo Confaz, Estados como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais resolvem a questão restringindo o crédito para o contribuinte." Procuradas, a BRF Brasil Foods e a Fazenda de Minas Gerais não se manifestaram.
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