Valor Econômico - 28/09/2010
Foi um desastre completo. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao terminar a votação sobre recurso extraordinário do ex-governador Joaquim Roriz (PSL) contra a impugnação à sua candidatura pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com base na Lei Ficha Limpa, decidiu uma das questões colocadas - a Lei aprovada em maio é constitucional, ao contrário do que sustentava o advogado de Roriz -, mas não concluiu o julgamento, ao se deparar com outro impasse, se a lei poderia retroagir para punir um político que renunciou a uma cadeira no Senado antes da aprovação da lei, para evitar ser cassado por quebra de decoro parlamentar. Com o julgamento em suspenso, Roriz deu um golpe de mestre: renunciou à sua candidatura quando apenas nove dias o separavam do primeiro turno e lançou a de sua mulher, Weslian, anunciando que, se ela for eleita, não a deixará sozinha um só dia. Como as urnas já estão lacradas, e o nome de Roriz consta da lista de candidatos ao governo do Distrito Federal, o eleitor vai apertar o número do candidato que renunciou, vai aparecer a sua foto na urna - mas, de verdade, vai votar na mulher do político. Como renunciou, o recurso extraordinário, que diz respeito a uma candidatura que não existe, vai para a gaveta.
Existem mais dois recursos que o Supremo poderia avaliar nesses últimos dias antes das eleições, mas dificilmente isso acontecerá - e os dois casos não dizem respeito ao que fazer com os candidatos que renunciaram a mandatos para não serem cassados, uma das possibilidades de inelegibilidade incluída na lei pelo projeto Ficha Limpa. O julgamento mal-sucedido foi mais uma guerra de egos do que propriamente uma tentativa de evitar a instabilidade jurídica. O eleitor vai para as urnas, no domingo, carregando consigo muitas chances de ver a sua decisão anulada por uma decisão posterior do STF. Ao não decidir, o Supremo se reservou o direito de fazê-lo depois. É o tribunal que vai decidir, fechadas as urnas e proclamado o resultado, qual voto popular vai valer.
Todas as instâncias de decisão do voto ficaram em aberto. Se o STF decidir, depois das eleições, que a Ficha Limpa vale para este pleito e retroativamente, e desta forma atingir os condenados em segunda instância e aqueles que renunciaram a mandatos antes de sua vigência, estará alterando regras do jogo depois que ele foi jogado. Os candidatos majoritários não serão diplomados ou não serão empossados, dependendo do ritmo do julgamento do STF e de sua vontade de decidir o problema. Ou, na pior das hipóteses, serão cassados depois de terem iniciado seus mandatos.
Os candidatos nas eleições proporcionais que estiverem nessa situação não apenas serão cassados, mas os votos dados a eles serão anulados e não valerão mais no cálculo de composição das bancadas das Assembleias ou da Câmara de Deputados. Se, por exemplo, o deputado Paulo Maluf (PP) tiver algo parecido aos mais de 700 mil votos obtidos nas eleições de 2006, e eleger, junto com ele, outros dois deputados, pelo princípio da proporcionalidade, e mais tarde o STF decidir que ele era inelegível porque traz nas costas uma condenação por órgão colegiado, os seus votos serão considerados nulos e haverá nova distribuição de cadeiras entre os partidos.
A situação ficou tão dramática que o eleitor poderá votar em um Ficha-Suja, e, se ele foi impugnado depois do lacramento das urnas eletrônicas, seu voto não valerá nada. Poderá também não encontrar o número de seu candidato se, por uma eventualidade, sua impugnação foi considerada improcedente nesse período. Depois disso, poderá ver destituídos os seus eleitos. A outra alternativa não é melhor: poderá ser governado por um político condenado - e políticos sem princípios têm por hábito obter mandatos porque junto com eles vem o foro privilegiado, que pode garantir-lhes a impunidade pelo resto de seus dias.
Os partidos estão correndo o risco de saírem das urnas de uma forma e, no ano que vem, ficarem mais esburacados - mas, enfim, a decisão de submeter aos eleitores candidatos sub-judice é um risco que sabem que estão correndo. O eleitor, todavia, vai levar gato por lebre. Depois das eleições, o STF vai se colocar na posição de decidir qual voto valeu. É um poder imenso para um plenário de dez juízes, que serão onze depois das eleições. O presidente Lula decidiu preencher a vaga só depois de saber quem será o novo presidente da República.
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